sábado, 22 de março de 2008

Jorge Amado

Hospedado na casa de Jorge Amado, o poeta chileno Pablo Neruda vangloriava-se da qualidade dos vinhos de sua terra. "Os brasileiros não chegam aos pés dos vinhos do Chile", provocou. Resolveram fazer um teste. Após a noite de bebedeira, enquanto Neruda roncava, o escritor baiano pegou as garrafas vazias do divino produto dos Andes e encheu-as de vinho tipo sangue-de-boi, da linha mais popular fabricada no Brasil. No almoço, para comemorar a vitória do amigo, serviu a bebida "falsificada" e Neruda nem percebeu a diferença. Gritava, eufórico, que os chilenos eram os campeões da vinicultura.

Jorge Amado de Faria costuma pregar peças nos mais chegados. Deve ter pregado muitas porque a lista de amigos do escritor não é pequena. Jorge tem simplicidade e carisma que agradam a gregos e baianos. Pode ser, ao mesmo tempo, o confidente do guardador de carros e grande camarada do líder cubano Fidel Castro. Há mais de 60 anos ele deixou a Bahia, (nasceu em Itabuna, em 1912), para ganhar o mundo. Morou em Paris e conhece cada canto da Europa, mas quase tudo o que escreveu fala da gente simples do Nordeste e tem sua querida Bahia como cenário.

São 32 livros, traduzidos para 49 idiomas. Já vendeu, desde O País do Carnaval, o primeiro livro, de 1931, quase 20 milhões de exemplares no Brasil e no exterior. Capitães de areia, de 1937, é o recordista: quatro milhões. Nada mal para um "contador de histórias", como ele gosta de se definir, que não tinha muitas pretensões na vida. O pai era um proprietário de terras na região do cacau, sul da Bahia, e Jorge fez o primário em Ilhéus. Foi cursar Direito no Rio e na mesma época publicava os livros que lhe deram projeção nacional: Cacau, de 1933, e Jubiabá, de 1935.

Os cavalos da imperatriz
Nos anos 40, ingressou no Partido Comunista Brasileiro e foi eleito deputado federal por São Paulo. A carreira política terminou quando o PCB foi posto na clandestinidade. Exilou-se do País e foi respirar novos ares na Europa e na Ásia ao lado da escritora Zélia Gattai, com quem se casou em 1945 e vive até hoje. "Cumpri minha tarefa como comunista e abandonei o Partidão em 1955 porque não queria mais receber ordens", disse certa vez. Hoje em dia tem posições políticas moderadas. "Nos primeiros livros, tudo era maniqueísta: o rico é ruim e só o pobre presta. Mas vi que as coisas são mais complexas e passei a ter horror a ideologias", diz. É grande amigo de Antônio Carlos Magalhães e acredita que Fernando Henrique pode se tornar um grande estadista.

No mínimo, a experiência no PCB contribuiu para que Jorge diversificasse suas troças. Nos anos 50, convidado oficial do governo chinês, foi assistir a um espetáculo da Ópera de Pequim e sentou-se na poltrona ao lado do ministro da Cultura de Cuba. O intérprete do cubano dormiu e ele passou a perguntar ao escritor tudo o que acontecia no palco. Quando em cena apareceram vários soldados, Jorge disse: "A imperatriz vai se deitar com todos os soldados." E o cubano arregalou os olhos. Depois, entram alguns cavalos: "Agora é a vez de todos os cavalos se divertirem com a moça." Foi demais. O ministro de Fidel se retirou do teatro e, no dia seguinte, fez uma queixa formal na reunião dos camaradas. Jorge, quietinho, fingiu que não ouviu.

A mania de zombar dos outros fez com que alguns dessem o troco na mesma moeda. Em Portugal, passeando pelas ruas de Lisboa com o escritor conterrâneo João Ubaldo Ribeiro, foi cercado por uma multidão que queria saber se aquele 'tal' Jorge Amado era o autor de O Bem-Amado, novela de enorme sucesso em terras lusitanas. Ubaldo confirmou, mas disse que ele usava o pseudônimo Dias Gomes e, às vezes, assinava Janete Clair. Em meio às gozações, sabe manter as amizades. Em 1974, faliu a editora Martins que tinha os direitos de seus livros. O amigo Antônio Machado passou a ser o novo editor e Jorge fez questão de incluir uma nova cláusula no contrato. Se uma das partes rompesse o acordo, ficava proibido o rompimento da amizade.

Turistas no jardim
Ao lado de Zélia, vive hoje em Salvador, no bairro do Rio Vermelho. A casa é um ponto turístico da cidade. Os city-tours das agências prometem visitas ao famoso casal e, volta e meia, Jorge topa com pessoas estranhas passeando pelo jardim. Um dia, Zélia ouviu o marido gritar: "Corre, mulher! Estão invadindo nossa casa outra vez!" No quarto de dormir, havia dois argentinos deitados na cama posando para fotos. A empregada era crente e tinha pena dos turistas. Deixava qualquer um entrar e ainda prestava serviços de guia: "Aqui é o quarto, aqui é o banheiro deles..."

Aos 87 anos, Jorge tem dificuldade para ler e não gosta de badalações. A popularidade do escritor aumentou muito, a partir dos anos 70, com a adaptação de suas obras para o cinema e a televisão, como Gabriela e Tieta do agreste. Obras que ele faz questão de dizer: "Falam sobre o povo e para o povo."

VOCÊ SABIA?
Para autorizar a adaptação de Gabriela para a tevê, Jorge impôs que o papel principal fosse dado a Sônia Braga. "Por quê?", perguntaram os jornalistas. Jorge respondeu: "O motivo é simples: nós somos amantes." Ficou todo mundo de boca aberta. O clima ficou mais pesado quando Sônia apareceu. Mas ele se levantou e, muito formal, disse: "Muito prazer, encantado." Era piada. Os dois nem se conheciam até então.

OBRA-PRIMA:
· Capitães de areia (1937)
· Terras do sem-fim (1942)
· Gabriela, cravo e canela (1958)
· Dona Flor e seus dois maridos (1958)
· Tenda dos milagres (1970)

Fonte: http://www.terra.com.br/istoe/biblioteca/brasileiro/literatura/lit4.htm

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